Obaluayê - O Rei da Terra
- Bruno Brunelli
- 19 de ago.
- 5 min de leitura

Omolu, Xapanã, Sakpata, Azonsu, Obaluayê… o rei da terra recebe muitos nomes. Mas de onde vieram todos eles? Qual a diferença? Hoje vamos tentar explicar um pouco sobre isso e contar um pouco do trajeto dessa divindade, que é cultuada tanto nos Candomblés Jeje e Ketu quanto na Umbanda.
__Quem é Obaluayê?
Por enquanto, vamos usar um dos nomes mais conhecidos, que é a versão nagô ou yorubá. Obaluayê significa, literalmente, "o rei da terra" - (obá significa rei e o ayê é a terra). É o orixá associado às doenças, em especial à varíola e outras doenças contagiosas, entendido como o que traz esses males, mas que também traz a cura.
Ele também é cultuado como o senhor da terra, um dos orixás que possibilita a fatura e a colheita. A sua festa no Candomblé Ketu é chamada Olubajé, o banquete do rei, onde são oferecidas comidas de todos os orixás em folhas de mamona, uma folha tóxica, que representa o poder de morte e cura do orixá. Também é servida pipoca, a sua comida por excelência.
__Sakpata e Xapanã
Já no Candomblé de nação Jeje, que cultua voduns, o equivalente a Obaluayê é Sakpata. O nome Xapanã, que algumas casas ketu usam, é a versão em língua yorubá de Sakpata, esse nome, por sua vez, que vem das línguas gbe.
Vale um parênteses: yorubá e gbe são troncos linguísticos. Imagina uma grande árvore, de onde saem galhos maiores. Esses galhos são o yorubá e o gbe. Daí, vão sair galinhos menores, de línguas que derivam dessas duas grandes. No caso do gbe, a gente vai ver o jeje, mahin, ashanti e várias outras.
O Sakpata das línguas gbe passa para o yorubá como Xapanã, porque em alguns casos, no yorubá, o "s" recebe um sinal gráfico e fica com som de "x". Aqui no Brasil, por conta de ramificações linguísticas e de relações de vários povos de diferentes territórios, alguns terreiros cultuam Sakpata com o nome de Azonsu.
Azonsu ou Sakpata, independentemente do nome, é considerado em vários candomblés de nação jeje como o vodum chefe da Família da Terra. Nessa tradição, os deuses são divididos em grandes famílias. Normalmente, três:
os voduns da terra, que o líder é Azonsu / Sakpata
os voduns do raio e da água, que o líder e Sogbo
e os voduns das serpentes, que o líder é Dan / Dangbé
__A origem do culto
Mas se tem várias diferenças entre voduns e orixás, como sabemos que existem, como é que um deus consegue ser os dois ao mesmo tempo?Bom, para explicar isso a gente tem que voltar lá na África. Os povos yorubás e jeje já tinham muito contato entre si, bem antes dos europeus chegarem lá. Contatos tanto pacíficos, como trocas comerciais e casamentos, quanto guerras e dominações de cidades. E é nessas trocas que Omolú vai e volta, e acaba sendo cultuado por diferentes nações. Existem três hipóteses para como isso aconteceu.

A primeira é de que divindades diferentes ligadas à terra, vindo do leste e do oeste da área yorubá, se encontram e se fundiram no culto a Omolu. Uma seria já de origem yorubá e a outra de origem nupé, que entraram em contato graças a migrações.
A outra hipótese, é que a divindade Omolu aparece no golfo do Benim (uma região tanto de presença yorubá quanto jeje) a partir de divindades mais antigas que já eram cultuadas lá. Ela teria vindo da região de Ilê Ifé, uma importante cidade yorubá, e se associado ao culto de Sakpata. Há uma possibilidade dessa divindade também ser chamada de Buruku. Isso mesmo, o segundo nome da orixá Nanã, que pode originalmente ter sido um deus masculino da terra que foi sendo associado a Omolu/Sakpata aos poucos.
E tem ainda uma terceira possibilidade. Normalmente se diz que o culto de Sakpata chega aos yorubás através do país Mahin, uma das nações dos jeje. Mas pode ter acontecido um processo inverso: ele chegou ao Mahin pela área nagô. Na cidade de Savalu, parte desse reino, é comum dizer que o culto de Sakpata foi associado por um dos seus governantes na segunda metade do século 16, porque ele descobriu o deus enquanto passava por uma região de povos nagô. O Mahin foi um ponto importante para a dispersão desee culto. É por isso que diz-se que Sakpata tenha origem jeje, mas na verdade ele pode ser uma divindade yorubá muito mais antiga.
Um dia a gente vai ter certeza de qual versão é a verdadeira? Provavelmente não. Mas o que esses estudos nos mostram é justamente a relação muito profunda dessas divindades, e que todos têm uma origem comum ligada à terra, provavelmente originária de um dos povos falantes de yorubá.
__A varíola
Sakpata vai ser associado com a varíola só no século 17, quando os europeus levam a doença para a África. O seu nome virou sinônimo da doença, e por isso ele deixou de ser usado, para não atrair essa má sorte. Seus sacerdotes vão ser, algumas vezes, excluídos da sociedade por carregarem o estigma de atrair as doenças, mas por outro lado vão também fazer os trabalhos de cura.
Com isso, as pessoas começam a usar outros nomes mais simples para Sakpata, como pessoa, rei, rei da terra, senhor da morte e doença. Assim não chamariam a varíola para perto.
E falando nos sacerdotes, eles têm um outro papel importante. No reino do Daomé, uma nação que dominou outros povos, os templos de Sakpata foram convertidos em focos de resistência desses dominados. Isso explicaria a vinda de muitos dos sacerdotes como escravizados para o Brasil, o que acabou trazendo também o culto da divindade.
Vale dizer, também, que não existe registro do uso das palhas na vestimenta de Obaluayê ou Sakpata em África. Até onde se sabe, o uso da coroa e da palha cobrindo todo o corpo (que segundo conta a tradição oral brasileira é para esconder as marcas da varíola) é uma criação da diáspora, ou seja, após a escravidão.
__A família na tradição Ketu
No Brasil, na tradição Ketu, Omolu, Nanã Buruku e Oxumarê normalmente são entendidos como fazendo parte de uma mesma família, sendo que Nanã seria mãe dos outros dois. E que essa família seria originária das tradições do Candomblé Jeje, como já vimos. Em algumas casas, Ewá também entra para a família, sendo considerada filha de Nanã e gêmea de Oxumarê, e assim como ele é associada às cobras.
Nanã, essa sim, também é uma divindade muito cultuada no Candomblé Jeje. O nome Nanã vem dos ashanti, outro povo falante da língua jeje, e é um título respeitoso para as pessoas de idade. Também pode ser traduzido como mãe. Já Oxumaré é visto como o Dan ou Dangbé da nação Jeje, a cobra do arco-íris. Ele tem uma grande importância para muitos terreiros, em especial os da sub nação jeje-mahi, sendo a divindade principal dessas casas.
Mas apesar das relações, o jeje e o ketu tem muitas variações no culto das três divindades: os toques de tambor, a língua ritual, as vestimentas e a forma de culto são diferentes. Por exemplo, Sakpata ou Azonsu, no jeje, usa palhas vermelhas; enquanto no keto as palhas são de cor natural.

Isso só reforça a beleza e a complexidade das nossas religiões afro-diaspóricas brasileiras. E também nos mostra como os povos africanos, sejam eles de origem yorubá, jeje ou até bantu, sempre estiveram muito próximos, trocando várias influências e cultuando juntos suas divindades - às vezes as mesmas, às vezes diferentes.
Este texto é apenas um recorte sobre o culto e as origens de Omulu. Lógico que existe muito mais sobre esse tema, mas esperamos que tenha sido uma forma de conhecer e entender melhor essa divindade e um pouco mais também da nação jeje, que não é tão conhecida em alguns lugares do país.
__Referência:
A Formação do Candomblé: história e ritual da nação jeje na Bahia - Nicolau Parés (Editora Unicamp, 2018)






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