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  • Bruno Brunelli

A Proclamação da República e a Umbanda


Recapitulando a história, para quem ainda não conhece: o mito de fundação da Umbanda é o de que, em 15 de novembro de 1908, o médium Zélio de Moraes teria pela primeira vez incorporado um preto-velho durante uma sessão em um centro espírita kardecista. O espírito teria sido impedido de se manifestar por, em teoria, ser menos evoluído. E assim ele fundou a Umbanda, uma religião onde espíritos excluídos dos meios kardecistas poderiam se manifestar.


Apesar de hoje ser muito difundido, o mito de fundação do Zélio só vai ficar forte na década de 1970, principalmente graças à corrente que se chamava de "Umbanda Pura". Esse grupo de umbandistas, muitos deles vindos do kardecismo, ganhou holofotes na década de 1940 e Zélio era um entre eles. Outros escritores, chefes de terreiro e até políticos tinham força e conseguiram dominar o discurso da Umbanda a partir dessa época. Alguns nomes desse grupo são Átila Nunes, José Álvares Pessoa, Lourenço Braga, Leal de Souza e Rivas Neto.


Mas antes disso, essa corrente da "Umbanda Pura" já tinha uma relação próxima com a República. Vamos pensar um pouco na proclamação da República para falarmos sobre isso.


__A Primeira República 

O Brasil se tornou republicano a partir de um golpe de estado, em 15 de novembro de 1889. Resumindo bem, a monarquia já estava para morrer mesmo e ela ia cair mais cedo ou mais tarde. Então o exército resolveu o problema do jeito que ele sabe fazer: dando um golpe de estado. 


A partir daí, o novo governo começa a desenhar um projeto de país diferente da monarquia. Um dos objetivos era criar unidade e identidade nacional que não dependesse da figura do imperador. 


Uma das coisas desse projeto da Primeira República (1889-1930) era fazer o país ser mais branco. É isso mesmo: diminuir a quantidade de população negra, indígena e mestiça e tornar todo mundo o mais branco possível. Tanto que foram criadas políticas de incentivo à imigranção europeia, porque para os intelectuais e políticos os brancos eram mais civilizados e melhores trabalhadores.


__A Era Vargas

Com o tempo esse projeto vai se modificando. Em vez de ir para um caminho explícito do branqueamento racial, a República vai para o discurso da democracia. O Brasil seria um lugar onde as três raças - brancos, negros e indígenas - convivia pacificamente.

Esse discurso é muito forte durante o governo de Getúlio Vargas. O primeiro período de Vargas no poder, chamado de Estado Novo (1930-1945), também foi uma ditadura militar. Depois ele volta, eleito, em 1951, e fica no poder até sua morte, em 1954.

Seu governo tinha uma preocupação em criar essa unidade nacional, que ele achava que a Primeira República não tinha conseguido fazer. E mais do que isso, ele precisava que o Brasil tivesse uma identidade fácil de exportar para o resto do mundo. Assim o governo incentiva vários produtos culturais, a maioria deles vindos do Rio de Janeiro, que formaram a ideia de brasilidade. Não é coincidência que nessa época surgem os filmes da Carmen Miranda, a Aquarela do Brasil e o Zé Carioca. E também não é coincidência que a "Umbanda Pura", com sua identidade carioca, apareça aí nesse meio.


__A Umbanda e o Governo Vargas

Como a gente já falou, os sacerdotes e escritores da chamada "Umbanda Pura" sempre se identificaram com o pensamento republicano. Para ilustrar, vale ver o que escreveu Rivas Neto: em 1889, ano da proclamação da República, o plano astral preparou a Umbanda para combater os "cultos miscigenados" - ou seja, as macumbas negras, os catimbós indígenas, algo que o primeiro projeto republicano combateu.


Mas apesar de tentarem se afastar dessa herança, a relação de algumas Umbandas com as culturas negras e indígenas caiu como uma luva. O culto de caboclos e preto-velhos se encaixava bem na história das três raças vivendo em harmonia. É nessa época, também, que começa a surgir a história de que a Umbanda é a única religião exclusivamente brasileira, justamente porque ela agregava esse espírito nacional.


Porém na prática, sabemos que essa convivência pacífica na verdade ressalta a superioridade branca, porque as figuras do indígena e do negro eram vistas como menos importantes. Assim como nos produtos culturais da Era Vargas: o samba é cantado e dançado por brancos, a baiana é portuguesa. Os elementos negros servem para dar um pano de fundo, mas não servem para serem os protagonistas.


Outras vertentes surgiram para combater esse pensamento. A mais famosa delas é a Umbanda Omolokô, de Tata Tancredo da Silva, que traz a importância da base africana. O curioso é que tanto a turma da "Umbanda Pura" quanto Tata Tancredo eram simpáticos com o Vargas. Aliás, corre à boca pequena que o próprio Vargas era umbandista, mas ninguém nunca chegou perto de confirmar essa informação.


__E como surge o 15 de novembro?

Voltando agora para o Zélio, foi depois da sua morte, em 1975, que foi colocado como essa figura fundamental da Umbanda no Brasil e o dia 15 de novembro passou a ser reivindicado como Dia da Umbanda. Inclusive, os escritores ligados à "Umbanda Pura", como o Rivas Neto, tiveram um papel bem importante em criar o "mito fundador".

E aí nessa época a relação dessa Umbanda com a República já estava mais do que criada. Mesmo que os umbandistas continuassem sendo perseguidos (e foram muito no governo Vargas), a identificação com o espírito nacional continuou forte, e se manteve durante a Ditadura Militar de 1964-1985.


A data de fundação da casa de Zélio de Moraes acabou caindo como uma luva para consolidar esse casamento, que foi instituído por lei em 2008, quando teoricamente se comemora os 100 anos da fundação. 


Assim foi se construindo e se espalhando a ideia da fundação da Umbanda junto com a República, criando um elo com a identidade nacional do Brasil.


__Referências:

Uma História da Umbanda no Rio - Diana Brown

Zélio de Moraes e as origens da umbanda no Rio de Janeiro - Emerson Giumbelli

A Invenção do Brasil no Mito Fundador da Umbanda - Mário Teixeira de Sá Júnior

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